Diocese sedia no domingo a Romaria da Terra
Ortigueira var receber representantes de todas as dioceses
18.08.2023 - 17:03:17

“Queremos crescer nesse
espírito de sinodalidade, de abertura de um modo inter-religioso e ecumênico
com toda a comunidade paranaense. Queremos que seja um momento de revermos os
nossos caminhos, as nossas opções e possamos dar passos. Esperamos que o fruto
venha e o fruto vai ser o reconhecimento dessa diversidade, dessa variedade
muito grande de atividades que nós temos no estado e também a partilha dos
alimentos”. Essa é a expectativa do bispo Dom Sergio Arthur Braschi quanto a
34ª Romaria da Terra do Paraná, que acontecerá no domingo (20), na Paróquia São
Sebastião, em Ortigueira, território da Diocese de Ponta Grossa.
Pela primeira vez, em 38
anos, a Diocese vai sediar a Romaria, organizada pela Comissão Pastoral da
Terra (CPT). As reflexões deste ano terão como tema ‘Na terra de Deus,
resistir, organizar, partilhar, para a fome saciar! De acordo com o coordenador
regional da CPT, padre Dirceu Fumagalli, devem participar delegações de todos
os cantos do Paraná, entre comunidades, movimentos sociais, do campo e da
cidade, representando todas as dioceses do Estado. A programação inicia com a
acolhida e café da manhã partilhado, às 7 horas. A abertura oficial será às 9
horas, “com reflexão sobre a terra de Deus e a resistência, a partir da memória
histórica da luta e resistência dos camponeses e o papel da própria Romaria
nesse processo”, detalha o padre.
Em seguida, um momento de
espiritualidade, sob inspiração da Palavra de Deus, “que nos faz tomar o nosso
compromisso e a própria cruz, que é o símbolo da resistência. Uma caminhada de
aproximadamente um quilômetro e, à tarde, discutir a organização no campo. Isso
que queremos com a Romaria: dar visibilidade às iniciativas e organizações
existentes ali, no Caminho do Tibagi, principalmente em Ortigueira, onde vamos
mostrar a grande diversidade de produção”, acrescenta o coordenador regional,
citando que o mento termina com a partilha entre os romeiros e as comunidades
mais vulneráveis, em um gesto de solidariedade.
O bispo Dom Sergio afirma
que a Diocese está muito feliz por poder estar em profunda comunhão com toda a
Igreja do Paraná. “A Romaria da Terra é sempre promovida pelo Regional, a nível
estadual, e nós nunca tínhamos tido a possibilidade de sediá-la. Agora,
exatamente quando a nossa região está comemorando vários jubileus, os 200 anos
da igreja-mãe - a primeira paróquia da cidade – (ela acontece). Tudo
motivo de grande alegria. E a escolha de Ortigueira, que tem uma série de
realidades, que mostram a necessidade de olhar toda a Diocese e o todo o
Paraná. A Romaria vai jogar uma luz em toda essa realidade: produção da
agricultura familiar, o agronegócio, os indígenas - é o único município
da Diocese que tem comunidades indígenas (Mococa Natingui e Queimados) -
situações de acampados e algumas áreas da Libertação Camponesa, que faz muitos
anos que foram assentados e regularizados ali”, enumera Dom Sergio. O bispo
lembra que as visitas pastorais mais longas que fez foram em Ortigueira, à
Paróquia São Sebastião. “Precisou ser dividida em duas etapas para eu conhecer
toda essa realidade, que hoje está com um progresso muito grande”.
Falando sobre
a temática da Romaria da Terra deste ano – ‘Na terra de Deus, resistir,
organizar, partilhar, para a fome saciar! ’ - Dom Sergio destaca que a Igreja
sempre procura caminhar no sentido de facilitar o diálogo e a compreensão. Ao
chamar a atenção para a diversidade de produtos estampada no cartaz de
divulgação da Romaria, o bispo afirma que a ideia não aparece somente na
diversidade das culturas que estão no campo, mas nas diversidades das vocações.
“Dos vários tipos de atividades que temos no Estado. Queremos enfatizar isso.
Temos também a consciência que a terra é de Deus. No Antigo Testamento temos os
relatos que o povo foi peregrinando e Deus foi lhes dar a terra, “a terra que
eu prometi dar a vossos pais, Abraão, Isaac e Jacó” (Deuteronômio 1,8). Isso
aparece muito claro. Depois, essa consciência da realidade social que grava
sobre a propriedade da terra. Não somos donos dos bens. Estamos usando durante
algum tempo. É preciso a revisão da mentalidade consumista. Deus é Deus está
acima de todas as coisas e a Romaria vai nos trazer essa reflexão também,
fomentando a partilha”, enfatiza.
O que é
Padre Dirceu Fumagalli
ressalta que, enquanto ação de mobilização das comunidades do campo e da
cidade, a Romaria da Terra tem papel extremamente importante para a vida das
comunidades, da Igreja e dos movimentos sociais. “Sempre traz um tema onde, ao
celebrarmos, os movimentos sociais o desdobram em suas ações. Este ano, ao
celebrar em Ponta Grossa será refletido o tema dando sequência ao debate da
Campanha da Fraternidade, que era a questão da fome. (A Romaria da Terra) Quer
discutir, refletir e propor ações de superação da fome. Refletir a partir do
campo. O campo tem que ser destinado, prioritariamente, para produzir comida e
comida boa, saudável e não o que está acontecendo hoje com o território do
Paraná: grande produtor de grãos, de commodities, na realidade, e não de
alimentos”, explica.
Sobre a escolha da região,
padre Dirceu frisa que ela já foi o de menor Índice de Desenvolvimento Humano
do Paraná e que, graças a alguns projetos, as ações políticas e a organização
popular, saiu dessa condição. “Para expressar que, quando tem empenho tanto
político, quanto de organização social, somos capazes de superar essa
realidade. (Isso) A partir do modelo de produção, de referência de
produção, da agricultura familiar camponesa, do agroecológico. Aí, sim, tem
todo esse cuidado com a Casa Comum. Não é só produzir, mas em que condições
produzir. Para as pessoas, ao consumir, também saberem que o ato de comer também
é um ato político: o que comemos, de onde vem, de que forma é produzido, que
impacto tem essa produção nas nossas terras e nas nossas águas”, argumenta.
Como exemplo, padre Dirceu
afirma que, se fôssemos dividir a produção de grãos do Brasil por cada
brasileiro, cada um poderia comer seis quilos e 600 gramas de grãos por dia.
“Não é falta de produção. É o que produz e para o que produz. No Paraná, mais
ainda. Cada paranaense poderia comer nove quilos de grãos por dia e temos no
Paraná mais de um milhão de pessoas abaixo da linha de pobreza. No Brasil, mais
de 33 milhões. É o modelo. O campo deixa de cumprir seu papel vocacional, que é
produzir alimento. Produz commodities, grãos, madeira, açúcar, para exportação.
O modelo e a política que se tem não é para abastecer as mesas mas para
abastecer o mercado internacional. Na pandemia, isso ficou explícito: se chegou
a pagar no óleo de soja R$ 11 o litro e tivemos recorde na produção de soja
naquele período. Infelizmente, no Brasil primeiro se pensa em exportar e só
depois em abastecer”, resume.
A Romaria da Terra é fruto
da parceria de grandes articulações: a Comissão Pastoral da Terra, que é uma
pastoral que tem a responsabilidade de propor o tema e o debate da Romaria; a
Diocese, que dialogou, indicou onde seria mais apropriado ela acontecer, a
partir do tema proposto; o poder público local, que deu uma força importante na
infraestrutura e na articulação, e, a Paróquia São Sebastião. “Esse quadripé
garante uma boa organicidade da Romaria. Provavelmente, não será nos moldes dos
anos 90, de uma multidão de pessoas, mas terá uma qualidade importante, porque
a intenção é espraiar por todo o Estado o debate do modelo e da importância do
investimento em agricultura familiar para a superação da fome para que isso
tenha esse efeito”, adianta padre Dirceu.
Evangelização
Padre
Joel Nalepa, coordenador diocesano da Ação Evangelizadora, diz que a Diocese de
Ponta Grossa está a pagar uma dívida com as demais dioceses. “Não tivemos até
agora a Romaria na Diocese, em 38 anos. É uma contribuição quanto à
sinodalidade de caminhar junto com todo o Paraná. Temos uma diocese que, se
olharmos, a maioria das comunidades é formada por comunidades rurais. Mesmo que
tenhamos metade da população na sede do município, grande parte da população
está na realidade rural. Muitos são forçados a sair do campo, migrando para as
periferias das cidades maiores em busca de uma melhor qualidade de vida. A
Romaria pode ser o momento de dar visibilidade a quem luta e se organiza e prospera
no campo, consegue viver bem nesse meio, e, mostrar para a sociedade que não é
saindo do campo que a vida vai melhorar, mas dando condições para que todos
tenham condições de viver bem onde estão, de forma de vida digna e edificante”,
defende padre Joel.
Para o
coordenador diocesano, a Igreja tem o trabalho de ajudar as pessoas a
entenderem que a vida é um dom de Deus, o alimento é um dom de Deus. “Quando
nos deparamos com a fome vemos que também no tempo de Jesus esse tema era debatido,
solucionado. A proposta da Campanha da Fraternidade – ‘Dai-lhes vos mesmos de
comer’ - é o convite para que a partilha possa acontecer. É preciso fortalecer
na Diocese as pastorais sociais, os organismos, porque temos bons trabalhos e
bons projetos. Essa reflexão sobre a vida, a fome é do Evangelho. É fundamental
esse papel”.
Conforme padre Joel, todas as iniciativas ajudam a superar algumas
resistências. “Sabemos que esse tema é bem delicado - quando trabalhamos a
questão da terra, do agronegócio, da produção - a Romaria pode nos ajudar a
entender que é uma oportunidade de termos um olhar mais atento para quem
trabalha, produz, insiste em viver em realidades que nem sempre tem o devido
apoio, e, também crescermos na comunhão interna como Diocese e ainda nessa
comunhão ecumênica com as pessoas de boa vontade que colaboram e produzem para
o bem de toda a sociedade. É uma oportunidade de crescermos na sinodalidade, na
comunhão e no ecumenismo também”, ressalta.
Ortigueira
O secretário de
Agricultura e Abastecimento de Ortigueira, Alexandre José Moraes, cita que é a
primeira vez na história que a cidade tem um prefeito (Ary Mattos) que
vem da agricultura familiar. O secretário também vem de uma família de
agricultores familiares. “Quem vive no meio sabe das dificuldades. Quando fomos
procurados pela organização (da Romaria), por determinação do prefeito,
abrimos as portas não só da Secretaria de Agricultura, mas da de Saúde,
Educação, Ação Social e de Governo. Ortigueira hoje é um município pujante. São
quase três mil propriedades rurais e 75% pertencem à agricultura familiar. 600
famílias assentadas e 500 famílias acampadas, lutando pela terra e que recebem
apoio da atual administração. 70% dos alimentos produzidos vêm da agricultura
familiar. Ela gera divisas, empregos no campo e a produção de alimentos. Temos
essa preocupação e a temática da 34ª Romaria também: o combate à fome e a
permanência das pessoas no campo. Essa é a grande luta. Estamos contribuindo
com isso. Se por um lado temos a obtenção de divisas, por outro temos que
buscar o desenvolvimento sustentável. Que difere de crescimento”, enumera o
secretário.
De acordo com o
secretário, a prefeitura usa os recursos para gerar programas e subsídios
voltados para a agricultura familiar. “Aumentamos em dez vezes os recursos da
Secretaria da Agricultura. Temos um município extenso, o quarto em extensão
territorial do estado. Nosso programa voltado à agricultura familiar e
sustentável foi transformado em lei. Hoje, há uma legislação que ampara e os agricultores
podem cobrar futuramente se não for aplicada. Saímos de um investimento de R$
1. 800.00,00 por ano para R$ 10 milhões/ano. Ano passado, atendemos 780
agricultores com 6 mil toneladas de calcário. A distribuição de sementes, ano
passado, beneficiou 1150 produtores, equipamos a Secretaria, que só tinha um
trator e ganhou mais nove, com conjuntos de implementos. Temos implementos
também de última geração para atender a cadeia produtiva do leite. 64
resfriadores estão à disposição de mais de 200 agricultores. O programa de
inseminação artificial envolve mais de 130 propriedades. Há três veterinários e
dois agrônomos contratados para assessorar o pequeno produtor”, lista Moraes.
“A Romaria da Terra nos
leva a refletir sobre a nossa história, o momento atual e o rumo que temos que
tomar a nível local, regional e até nacional para manter essas famílias no
campo, produzindo alimentos. Atender o pequeno produtor não é dar; é devolver o
que estão produzindo e, que, muitas vezes, não têm incentivo para permanência.
Comungamos com o tema da Romaria. Não é só simbólico. Tem toda uma luta
envolvida. Ortigueira reflete muito bem a realidade porque temos assentados,
reassentados da barragem, povos indígenas, acampados. É um momento importante
para a reflexão”, finaliza.